segunda-feira, 5 de outubro de 2009

DOR

Fui lançado ao mar da Dor. Nele imergi. Instantaneamente, a Dor circundou-me de todos os lados. A Dor penetrou em cada poro. Quanto mais eu me debatia, na tentativa de fugir, maior se tornava a Dor.

Já não havia o meu corpo, apenas a Dor. A Dor estava em mim e eu era a Dor. Parecia que não mais havia ar pra se respirar. Imaginei que eu não conseguiria sobreviver, não suportaria tanta pressão.

Meus gritos de socorro ecoavam no vazio. Meu desespero crescia. Cada segundo equivalia a semanas de sofrimento. Parecia que todas as células de meu organismo estavam sendo espremidas ao mesmo tempo.

Minha angústia aumentava à medida que milhares de perguntas pululavam: por que eu? Por que comigo? Por que agora? Por que tão doloroso? Por que não passa? As perguntas, tal como marretas, martelavam insistente e incessantemente em minha mente, e minha Dor aumentava com isso.

Revoltado, culpei a Deus por tudo isso. Clamei e reclamei, mas resposta alguma obtive. Senti-me perdido, abandonado, esquecido, ludibriado.

Debatia-me com todas as forças, lutando contra o mar, tentando vencê-lo. Eu queria dominar a Dor, livrar-me dela. Em vão, eu desejava “voltar ao normal, ao que era antes”. Tudo o que eu conseguia era enxergar uma tristeza sem fim e sentir a Dor que havia se entranhado nas células de meu corpo, deixando o meu coração em carne viva.

Até que... num dado momento, aquele que parecia ser o meu último instante, eu abri mão da fuga, do medo, da revolta, da tentativa de racionalizar e entender.

Parei de debater-me.

Entreguei-me ao mar.

Aceitei a Dor. Recebi-a como parte da vida, como parte de mim – uma parte que também precisa ser amada.

Confiei na sabedoria da vida, nas forças que jazem, desconhecidas, nas profundezas de minh’alma. Confiei, aceitei e me entreguei. Pensei que eu iria afundar, desaparecer, cessar de existir.

Nesse mágico instante, uma Paz imensa tomou conta de mim. Já não havia mais guerra, combate ou disputa. Havia apenas o que É. E o que É, É.

Miraculosamente, embora eu ainda estivesse no mar da Dor, a Dor não mais existia. Todo o meu ser havia sido preenchido pela Presença. Já não mais havia um “eu” desejante, decisor, dominador, controlador. Havia apenas a Presença. E na Presença, tudo o mais desaparece, embora ali esteja.

Enquanto usufruía cada instante, nem me dei conta que as misteriosas correntezas do mar da Dor haviam me conduzido até a praia da Vida.

Saí do mar e me curvei diante dele, em humilde reverência e silenciosa gratidão.
29 de julho de 2009.

Um comentário:

Feizi disse...

Terminei de escrever esse texto cerca de duas semanas antes de meu pai ser hospitalizado. As palavras adquiriram um tom quase profético ao longo dos dois meses em que ele foi submetido a internação, cirurgias, tratamentos e destratamentos.

No dia 9 de outubro, meu pai partiu. Partiu em paz e serenidade porque viveu uma vida digna. Digna de ser vivida e vivida com dignidade.

Ainda não saí do mar, mas já sei que em algum momento serei capaz de contemplá-lo com gratidão.