quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Uma ponte incomparável



Recentemente foi inaugurada a ponte mais extensa do mundo, na China, tendo sido destaque na mídia internacional. Entretanto, ela é pequena, se comparada com a ponte estabelecida por estudantes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Pontes servem para conectar, aproximar e facilitar o ir e vir, e as trocas. Nem todas as pontes são materiais. Há pontes invisíveis muito importantes conectando pessoas, grupos e comunidades. 

A maravilha da engenharia chinesa resultou da combinação de concreto e aço, tendo o desafio de atravessar 42 quilômetros sobre o mar da baía de Jiazhou. A conquista dos jovens baianos  interligou Santo Antônio de Jesus a Teerã, resultando da combinação de cidadania planetária e solidariedade humana, tendo o desafio (muito maior!) de superar os abismos da indiferença e o lodo do egoísmo.

Nem os onze mil quilômetros de distância, nem as diferenças de nacionalidade, idioma, cultura e religião foram capazes de impedir que corações e mentes se conectassem em torno da defesa do direito humano à educação e em favor da tolerância religiosa.

Tudo começou porque um grupo – que vinha estudando temas como ética e humanização, e refletindo sobre a vida de líderes servidores como Gandhi, Luther King, Mandela, Ruhiyyih Rabbani, Betinho, Chico Mendes, Irmã Dulce, Rigoberta Menchú e Helen Keller – decidiu realizar um “ato de serviço” – uma ação social que pudesse contribuir para a melhora do mundo.

Várias causas e possibilidades foram levantadas, mas houve uma, em especial, que os sensibilizou: milhares de jovens iranianos cujo acesso à universidade é proibido pelo governo daquele país. Creio que se deram conta de que o anseio de aprender, prosseguir com os estudos, conquistar um diploma e uma profissão é um sonho universal e um direito de todo ser humano. Ser impedido de realizar o seu sonho por causa de sua religião, por participar do movimento estudantil, por pertencer a uma minoria... é uma forma de violência e opressão inaceitável – em lugar nenhum do planeta. Dentre os mais violentamente perseguidos pelo governo iraniano encontram-se os 300.000 seguidores da Fé Bahá’í. Diante da negação sistemática de matrícula e da expulsão de alunos bahá’ís, essa pacífica comunidade religiosa organizou programas educativas para seus filhos, que culminavam no Instituto Bahá’í de Ensino Superior (IBES) – uma rede clandestina de professores voluntários, apostilas fotocopiadas e distribuídas secretamente, aulas presenciais em sótãos de residências particulares e estudo pela internet. A reação das autoridades é estarrecedora: professoras de aulas para crianças foram enforcadas, jovens que educavam adolescentes foram presos, e docentes do IBES receberam longas penas de aprisionamento.  

No conforto e segurança de nossa sala de aula na UFRB, jovens que muito batalharam para realizar seu sonho de cursar a universidade iam conhecendo a história de outros membros de sua geração, arbitrariamente impedidos de alcançar essa conquista. Estabeleceu-se então uma ponte – a da empatia, do compromisso com os direitos humanos e da luta por aquilo que é justo, verdadeiro e bom.

Em seguida, os estudantes da UFRB buscaram se inteirar melhor sobre o assunto e começaram a organizar uma atividade para informar e mobilizar professores, técnicos e seus colegas em relação a esse drama que está ocorrendo agora mesmo, no presente momento. Decidiram engajar-se em uma campanha internacional que vem ocorrendo em diversas universidades e pela internet: “Can you solve this?” (Você pode resolver isso?).

Assim, no dia 14 de fevereiro de 2012, o Centro de Ciências da Saúde da UFRB conectou-se com o povo do Irã, com os jovens bahá’ís  e os demais estudantes cujo acesso à universidade é impedido pelas autoridades da República Islâmica. Uma gigantesca ponte constituída pelo simples gesto de dizer “sim, eu me importo!”. Como ensinou Martin Luther King, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.

Naquela manhã, as pessoas chegavam para mais um dia de estudo e trabalho, e se deparavam com banners, cartazes e a exibição contínua de vídeos e documentários sobre uma situação que a maioria desconhecia até então. Durante todo o dia, os estudantes organizadores distribuíram panfletos e deram informações. Os transeuntes que dispunham de alguns minutos eram convidados a acessar ali mesmo o site da campanha e assinar uma petição on line dirigida a autoridades brasileiras e da ONU em favor da garantia do direito à educação – sem discriminações ou perseguições – pelo governo do Irã.

Mais de 200 pessoas assinaram a petição nos computadores disponibilizados. Cerca de 400 integrantes da comunidade acadêmica receberam o panfleto. Todas se sensibilizaram com a situação dos jovens ilegalmente privados do acesso ao ensino superior.

Descobrimos que 11.000 quilômetros podem ser “logo ali” quando nos reconhecemos como cidadãos planetários e co-responsáveis pelo bem-estar de todos. Não há obra de engenharia que se compare com essa conquista da consciência!


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Deus Tempo



De todos os deuses, o mais implacável é o tempo. Jamais volta atrás, é inapelável. Não pára um instante sequer. Não admite retrocessos nem aceita antecipações. Exerce seu poder transformador e deixa suas marcas, sem piedade. Não perdoa os que tentam enganá-lo ou desprezam a sua autoridade. Reina absoluto e permanente, afetando-nos a cada segundo.

Costumamos dizer que o tempo passa, mas na realidade quem passa  somos nós mesmos. E como passamos rapidamente. De simples célula-ovo nos transformamos em recém-nascidos, num piscar de olhos já saímos da infância, nem bem nos acostumamos com as mudanças da adolescência e já nos tornamos jovens, antes que possamos usufruir dessa etapa ficamos adultos e logo atingimos a terceira idade. E deste mundo passaremos para o vindouro. Enquanto nós vamos passando, o tempo permanece inalterado e intocado.  

Somos, portanto, passageiros dessa espaçonave chamada tempo. Nós passamos por ele e ele nos leva sempre adiante, rumo ao desconhecido. Apesar de ser implacável no exercício dos poderes que lhe foram concedidos, o deus tempo respeita as Leis do Universo e não transgride os limites que lhe são impostos. Por exemplo, o tempo não tem o poder de decidir para onde vai nos conduzir. Essa escolha é pessoal, íntima, intransferível.

Cabe a cada um escolher a sua destinação e, a nave tempo seguirá o rumo específico para se chegar àquela meta. O tempo não define o destino, apenas nos conduz para onde almejamos. O tempo respeita a nossa liberdade de escolha e não questiona se a rota é certa ou errada, se a viagem será boa ou ruim.   

Algumas pessoas passam a vida inteira adiando para amanhã a sua decisão. Outras, não desejam sair de onde se encontram. Ambas, ao concluírem a jornada, descobrirão que estão exatamente no quilômetro zero. Talvez nesse momento se arrependam, mas aí, o tempo demonstra o seu absolutismo e não permite viagens extras ou caronas. Afinal, quem chega ao fim de linha, ao ponto final, tem que descer do ônibus. É assim que funciona.  

Escolher é um direito mas também um dever. Direito porque ninguém pode lhe obrigar a fazê-lo e por ser um privilégio intransferível. Dever porque tudo o que existe tem um princípio e um fim, e unindo estes dois pontos há que haver uma linha, um sentido. O princípio é pré-determinado, o fim é uma escolha que resulta da direção empregada à linha da vida. Se não há uma escolha consciente, não há avanço na dimensão interna do ser. Isso significa que, o fim incidirá no mesmo ponto do princípio. Nesse domínio, o do espírito, é como se essa vida se resumisse a um único ponto, ao invés de uma linha.  

É, portanto, o dever de definir um rumo para que a espaçonave “Sua Vida” possa decolar. Dever de assumir um compromisso consigo mesmo, de se posicionar perante a existência, de ter consciência de quem se é e do que se almeja. Dever de deixar o mundo um pouco melhor do que quando nele chegamos.