sábado, 6 de setembro de 2008

Ao (verdadeiro) mestre, com carinho

Confesso que quando tu chegaste, tive a certeza de que irias aprender muito comigo. Não que eu fosse presunçoso ou preconceituoso, mas... vendo a tua aparência, jeito de se comportar e hábitos, foi essa a conclusão a que cheguei. Quando eu soube que nem falavas o nosso idioma, concluí que sem a minha assistência, não sobreviverias nessa terra tão estranha para ti. E assim, tomei para mim o papel de teu guia.

A verdade é que gostei de ti desde o primeiro momento. Sentimento puro e espontâneo, daqueles que a gente sabe que é verdade e não ousa nem questionar. Gostei tanto que prometi a mim mesmo ensinar-te tudo o que sei. Que privilégio ele terá, pensei, ser meu aluno e absorver os meus ensinamentos!

O tempo foi passando e eu continuava empenhado em te transmitir os conhecimentos e as habilidades que julgava indispensáveis para cresceres no mundo em que vivemos, já que vieste de um lugar bem diferente. Admirava-me com o fato de estares sempre disposto a aprender, mesmo que, às vezes, me parecesses um pouco lento. Mas sentia-me estimulado por demonstrares grande satisfação e sincera gratidão por cada lição que eu te transmitia. E continuava imaginando ser eu, de fato, o mestre.

Como eu estava iludido! Demorei tanto tempo para perceber que, desde o princípio, tu é que estavas a me educar, abrindo-me novos horizontes, colocando-me diante de desafios inéditos, resgatando de minha alma o que há de mais íntegro e verdadeiro. Tu ias me educando e transformando com tanta sabedoria e sutileza que eu nem mesmo havia me dado conta, mas numa profundidade que nenhum outro mestre havia conseguido até então.

Em minha ignorância, eu havia confundido a tua não-utilização de palavras com ausência de conhecimento; a tua pequena estatura com limitada capacidade; a tua simplicidade, com superficialidade; a tua alegria e espontaneidade com frivolidade. Em minha soberba, desejei que fosses igual a mim, criei expectativas daquilo que deverias alcançar, imaginei saber o que seria “o melhor” para ti, quis fazer por ti escolhas que eram tuas.

Recordo-me que meu pai sempre dizia você só saberá o que é ser pai o dia em que tiver um filho. O tempo provou que ele tinha razão. Olhando para a minha vida em retrospectiva e na correta perspectiva, descubro maravilhado que tu, meu amado filho Naím, tens me educado desde o momento em que entraste em minha existência.

Tu me ensinaste a ser pai e continuas a fazê-lo a cada dia. Tu abriste para mim as portas de uma nova dimensão do Amor, um amor que almeja a incondicionalidade, a pureza e o desprendimento absolutos, um amor que curou chagas de meu coração que pareciam incuráveis, um amor que vem me transformando num ser mais humano, digno e compassivo, um amor que me desafia a ir além, a crescer mais, um amor que faz de mim o mais forte de todos os homens e, ao mesmo tempo, o mais sensível.

É bem verdade que te ensinei a falar a língua dos homens. Mas tu me lecionas a comunicação mais perfeita, que independe de palavras, pois conecta coração a coração e pode se expressar de infinitas formas -- pelo olhar, sorriso, toque, abraço, cafuné, colo, beijo, cheiro, riso, brincadeira, faz-de-conta, silêncio, ouvindo, e até mesmo, contando histórias, cochichando ou conversando.

Aprendi contigo a beleza e o profundo significado dos pequenos gestos e das coisas simples, a regozijar-me com vitórias que podem parecer insignificantes para os obtusos. Tu me fizeste viver o presente com a máxima intensidade e, ao mesmo, pensar no futuro com responsabilidade.

Pelos labirintos do cotidiano tu me conduzes, oferecendo silenciosas lições de paciência, diálogo, acolhimento, convivência e aceitação. Os misteriosos caminhos do coração vamos trilhando de mãos dadas, buscando, por nossa livre e espontânea vontade, construir a verdade de um afeto eterno.

Sim, tu és o educador e eu, o aprendiz. Tu és o mestre e eu, o discípulo. E os ensinamentos e experiências que tu tens me proporcionado, meu filho, nenhum professor ou guru poderia transmitir.

Sem tu, Naím, minha vida seria destituída de cor, sabor, odor e calor. Seria como uma pintura desbotada, refeição sem tempero, flor sem perfume, verão sem sol. Seria vazia, sem graça. E eu seria um homem realmente pobre, carente de tantas coisas lindas que tu me proporcionas. Acima de tudo, seria uma alma menos evoluída.

É por tudo isto que desejo expressar tanto o Amor que sinto por ti, o qual palavra alguma jamais poderá descrever, abarcar ou traduzir, como também, a minha gratidão. Saibas, em teu coração, que sou infinitamente grato - a Deus, por haver me concedido o privilégio de ser teu pai, e a ti, por haveres me transformado.

PS: Escrito em 26.01.1999 e publicado hoje, data de nascimento de Kamili, em homenagem ao meu filho primogênito, Naim.

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