O antídoto para a guerra, e todas as suas nefastas consequências, obviamente, é a paz. Entender ou visualizar a guerra é muito fácil. Basta ver os que caem. Provocá-la é ainda mais fácil.
Mas, entender a paz, aceitá-la e disseminá-la não é tão simples quanto possa parecer. Antes de qualquer coisa, é preciso ceder. Dar um passo atrás, reavaliar a situação e abrir mão de posições. Evitar o confronto às vezes quase inevitável em função de uma posição extremamente desconfortável.
Como, por exemplo, o caso dos 33 mineiros presos nas profundezas da terra, no meio do deserto mais seco do mundo, o Atacama, no Chile.
Foram 69 dias presos em uma mina, convivendo num buraco, 600 metros abaixo da superfície. Afundados numa convivência delicada e alimentada por temores, incertezas. À espera da vida, do retorno à sua própria e rotineira vida.
Providencial, a paz reinou entre eles. Como será que ela foi construída, conquistada e disseminada? Precisamos saber para que nos sirva de exemplo.
Prevaleceu a paz e com ela, a vida em toda a sua plenitude.
Muita gente ganhou com o show em torno do salvamento desses mineiros. Pouco importa, pois as maiores vitoriosas foram a vida e a paz, promovida com relações de respeito, diálogo, participação e cooperação.
Os 33 mineiros construíram uma cultura de paz e um “pacto de convivência” trabalhado em profundidade.
Interessante que, enquanto eram acompanhados pelo mundo, literalmente, estavam sozinhos, com pouca luz, calor e umidade intensos, sem sol, estrelas, ar puro, vento. Enfim, aquilo a que não damos tanto valor assim, pela presença discreta em nossas vidas.
Também não tinham a presença dos familiares, nem os problemas, é claro, derivados das dificuldades de relacionamento humano.
De certa forma trouxeram, para os dias de hoje, o mito da caverna de Platão. Na caverna, para o genial filósofo grego, havia seres humanos que ali nasceram e cresceram. Como metáfora, digamos que os mineiros renasceram – ao não ser soterrados – e cresceram – ao encontrar maneiras de autocontrole e determinação para resistir à prisão no fundo de uma mina.
Os prisioneiros na caverna de Platão somente enxergavam uma luz, no fundo, que projetava sombras de outros seres. Sombras que, para eles, pareciam a realidade.
Um dos prisioneiros decidiu fugir e, ao sair, descobriu que as sombras, na verdade, eram de homens iguais a eles, mas que nasceram e viviam fora da caverna.
Ao voltar, tentou contar o que vira, mas sofreu violências e morte. Ora, os mineiros do Chile inicialmente se deslumbraram com as forças que se uniram para salvá-los. Agora temem o futuro, a pobreza, as dificuldades, enquanto são assediados pelos que querem faturar com a história, em livros e filmes.
Percebem, então, que as sombras eram de homens iguais a eles, prisioneiros não no fundo de uma caverna, mas das convenções e dramas típicos de nossa espécie. Como os mineiros, tentamos sair da caverna, chegar à luz e viver intensamente. Buscamos a paz, enquanto fazemos mais guerras.
Temos dificuldade de lidar com o jogo das sombras e da realidade. Como previra Platão, dentro e fora da caverna, há dificuldades para ir em frente, embora, nos ciclos históricos, ocorram avanços.
Caminhamos, mas tropeçamos nas sombras, distraídos, parodiando o inesquecível chão de estrelas. Temos que seguir pelo caminho da paz, pois outro não há, e valorizar as coisas reais que, 600 metros terra adentro, tanto faziam falta aos mineiros chilenos.
Temos que viver com dignidade e deixar viver com respeito, e isto já será uma epopéia e tanto, embora não seja tema para livros e filmes.