sábado, 16 de janeiro de 2010

Medicina, Saúde e Universidade - reflexões que permanecem

Fui o orador de minha turma, na cerimônia de colação de grau em Medicina, na Universidade Federal de Alagoas. Já se vão mais de vinte anos desde aquele 9 de julho de 1988, hoje sou professor do curso de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Continuo a sentir que várias das idéias que expressei no discurso de formatura permanecem atuais - por isso, compartilho-as com vocês:


(...) À medida que avançávamos no curso, fomos descobrindo, para nosso espanto e decepção, que Medicina não é sinônimo de Saúde. Pelo contrário, a Medicina mecanicista, tecnicista, mercantilista e ultra-sofisticada muitas vezes praticada atualmente tornou-se um empecilho à verdadeira melhoria das condições de saúde da população como um todo. Pois que Saúde pode ser considerada como o estado de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual. Não pode ser vista apenas como ausência de doença, lesão, debilidade ou deficiência.

Esta visão ampla e global da Saúde permite-nos compreender que ela está diretamente relacionada e é, na realidade, dependente de fatores e questões tais como salário real, qualidade de vida, nutrição, condições de habitação, saneamento básico, higiene, produção e distribuição de alimentos, tradições e costumes populares etc. Basta acrescentarmos que hoje, no Terceiro Mundo, a doença mais freqüente, mais indecente e que causa maior número de mortes é a fome. E é também a doença que mais facilmente poderia ser evitada, pois existe uma vacina altamente eficaz e simples: panela cheia todos os dias!

Percebemos, então, que os médicos deveriam estar plenamente engajados na discussão e solução dos problemas mais amplos da sociedade, e não apenas preocupados em diagnosticar doenças e medicar doentes. Afinal, se a Saúde depende de tantos fatores, por outro lado, é ela que viabiliza toda e qualquer atividade humana.

Hoje, nós médicos estamos sentados nos consultórios, nos hospitais e nos gabinetes burocráticos, aguardando passivamente que as pessoas adoeçam, para que então possamos intervir. Entretanto, não é este o nosso papel e nem é esta a nossa missão.

Não obstante, para nossa vergonha e para descrédito das instituições educacionais brasileiras, podemos afirmar que nos seis anos que passamos na Universidade, não houve “tempo”, “espaço” ou “abertura” para debater questões prementes, tais como a fome, os menores abandonados, o alcoolismo, a toxicomania, a prostituição, o aborto, a morte e tantas outras... Jamais tivemos a oportunidade de participar numa discussão na qual as causas e conseqüências desses fenômenos fossem abordadas em seus aspectos médicos, sociais, psicológicos, morais, históricos, políticos, legais e econômicos. Chegamos, então ao ponto de questionar: para que serve o Conhecimento? Para que serve a Universidade, se o conhecimento que ela transmite nos distancia e aliena da realidade em que vivemos?

A impressão que se tem é que a Universidade brasileira está situada não na Terra, mas em outro planeta, talvez Saturno, onde os anéis coloridos distraem e desviam a atenção dos problemas concretos que exigem solução imediata.

A Universidade precisa corrigir os seus rumos, reconsiderar tudo que tem feito até agora, sair da “torre de marfim” em que se isolou e olhar para si própria como um dos membros que compõe o organismo vivo da sociedade. Se nós, alunos e professores universitários, tivemos uma oportunidade melhor que a maioria de nossos concidadãos, é nosso dever inescapável oferecer uma parcela maior de trabalho para o bem-estar coletivo.

4 comentários:

João M. disse...

Olá Feizi

Meu nome é Valmir de Souza e estou preparando em São Paulo um encontro sobre cultura de paz. Gostaria de seu contato pra poder falar sobre o assunto.

abraços

Valmir de Souza

Feizi disse...

Caro Valmir,

Muito obrigado por seu contato. Todo comentário aqui postado vai para o meu email. Portanto, você pode me enviar seu email e telefone, que eu entrarei em contato contigo!

Abraços, Feizi

Elaine Castro Brandão disse...

Feizi,

A sociedade em que vivemos hoje é tão egoísta que às vezes nos esquecemos que ainda existem pessoas que realmente estão comprometidas em buscar um futuro melhor, não só para si próprias, mas para todos os que estão ao seu redor.
Às vezes sinto que a cada dia que passa perdemos mais a essência da vida. Os valores e princípios que geralmente eram passados de "pai para filho", hoje em dia quase não existem mais. Aliás, o conceito de família, hoje, já não é o mesmo que antigamente. E esse é só um dos problemas da sociedade em que vivemos hoje. Na verdade, são tantos os problemas que esse acaba sendo apenas mais um.
Mas diante de todos os problemas, diante de uma sociedade em que os valores, ao meu ver, estão confusos e perdidos, é muito importante saber que ainda existem pessoas como você. Pessoas que estão comprometidas em fazer algo para mudar essa sociedade. Pessoas que não pensam somente no próprio bem-estar, mas no bem-estar coletivo. Que se preocupam com os outros e, principalmente, que fazem isso por acreditarem que ainda existe solução para os problemas da sociedade em que vivemos, e não só por interesses financeiros.
A cada texto que leio seu, me sinto ainda mais honrada por conhecê-lo e isso faz com que eu o admire cada dia mais.
Desde o primeiro dia de aula percebi o quão inteligente você é. Suas perguntas bem elaboradas, suas colocações nos momentos certos.
Você é uma pessoa sábia e eu tenho certeza que isso não se deve somente a sua formação. Com certeza é algo em você que vai além do quanto você estudou. Acredito que está mais ligado a forma como você vê a vida.
Parabéns pelos textos, pelo trabalho, por acreditar que ainda se pode encontrar uma solução para os problemas que afligem as pessoas.
E obrigado por compartilhar conosco seus textos, suas reflexões. Com certeza eles nos fazem refletir também e nos ajudam a continuar lutando para sermos pessoas melhores.
"Quando eu crescer quero ser igual a você" (rs).
Forte abraço,
Elaine.

Turma 2010.1 BIS UFRB disse...

parabéns professor feizi, achei o seu discurso de colação de grau ousado,motivador e sensivel, coisa que pouco se ver nos médicos. até parece um dos idealizadores do bis.

beijos

Josenilde Lemos